RS tem projetos para investir até R$ 2 bi em mineração

São quatro grandes empreendimentos com previsão de criar 2,3 mil vagas. Ministérios públicos acompanham tramitação de pedidos no governo. Depois de anos deixado em segundo plano, o setor de mineração está voltando a ganhar protagonismo no Rio Grande do Sul. Um novo ciclo de investimentos prevê a aplicação de R$ 1,97 bilhão para implantar pelo menos quatro grandes projetos já em processo de licenciamento ambiental. Se todos os principais empreendimentos em busca de autorização forem liberados, seriam criadas novas 2.277 vagas na nova era de mineração no Rio Grande do Sul. Essas iniciativas são consideradas estratégicas pelo governo estadual para alavancar a economia, gerar emprego e renda, mas enfrentam uma resistência crescente de movimentos ambientalistas pelo temor de danos à natureza. Os Ministérios Públicos Estadual e Federal acompanham a tramitação dos pedidos de instalação.

Estado sem tradição mineradora, o Rio Grande do Sul tem atraído nos últimos anos o interesse de empresas nacionais e internacionais. Uma pesquisa no sistema do Departamento Nacional de Produção Mineral mostra a existência de 5192 Requerimentos de Autorização de Pesquisa, que é o pedido para que a empresa realize trabalhos de definição da jazida e avaliação de viabilidade econômica. No momento, quatro grandes empreendimentos tramitam junto aos órgãos ambientais.

O projeto em estágio mais avançado é o Retiro, que pretende extrair minerais pesados da faixa de areia localizada entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos, no município de São José do Norte, no litoral sul gaúcho. Os minérios são usados na produção de pigmentos de tintas. A RGM (Rio Grande Mineração SA) conseguiu a licença prévia do Ibama, mas ainda aguarda as licenças de instalação e de operação.

Os demais projetos ainda buscam a licença prévia junto à Fepam, órgão de licenciamento estadual. Em Charqueadas o objetivo é a instalação da Mina Guaíba, um projeto da Copelmi com investimento chinês e norte-americano que pretende extrair carvão mineral, areia e cascalho de uma área junto ao Rio Jacuí. Às margens do Rio Camaquã, em Caçapava do Sul, a empresa Nexa Resources (multinacional do Grupo Votorantim) tenta autorização para extrair zinco, chumbo e cobre de uma mina a céu aberto com vida útil de 20 anos e investimento inicial de R$ 371 milhões. Já em Lavras do Sul o alvo é o fosfato, matéria prima para fertilizantes. O projeto – que prevê investimentos de mais de US$ 100 milhões ao longo de 50 anos de exploração – inclui uma barragem de rejeitos.

Jair Carlos Koppe, professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o Estado não é expressivo na área de extração mineral, atividade que se concentra em Minas Gerais e no Pará. As exceções são as minas de carvão, cujas reservas se concentram nos Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Para ele, a explicação para o atual interesse nos minérios gaúchos é a demanda do mercado: “São depósitos que estão aqui, durante um certo tempo eles não eram viáveis economicamente e agora passaram a ser. […] Há uma demanda para aqueles bens então você consegue colocá-los em produção”.

O carvão é utilizado para gerar energia nas termoelétricas nos períodos de estiagem, quando a produção cai nas hidrelétricas. Segundo o professor, a perspectiva de retomada do crescimento é um dos fatores que estimula novos investimentos na área: “Hoje se o Brasil crescer economicamente 2%, 3%, vai começar a faltar energia”. Já o interesse pelo fosfato é explicado pela demanda por fertilizantes pelo agronegócio. Segundo Koppe, a jazida de Lavras do Sul não apenas reduziria a necessidade de o Rio Grande do Sul importar fertilizantes como abriria a possibilidade de o Estado se tornar um exportador destes produtos. “Também há uma demanda por chumbo e zinco. As jazidas estão diminuindo o seu número pelo mundo”, afirma o professor.

Maior mina de carvão do Brasil pode se instalar junto ao rio que deságua em Porto Alegre

Dentre os projetos em análise no Rio Grande do Sul, o da Mina Guaíba é dos que tem gerado maior mobilização da sociedade civil. O projeto prevê que a área de 4.373,37 ha entre os municípios de Charqueadas e de Eldorado do Sul, a 15 km de Porto Alegre, seja transformada na maior mina de carvão do Brasil. Em um segundo momento a Copelmi prevê a criação de um complexo carboquímico capaz de gerar até US$ 4,4 bilhões em investimentos.

O empreendimento iria se instalar à beira do Rio Jacuí, responsável por 80% da água que chega ao Lago Guaíba. Além de cartão postal de Porto Alegre, o Lago é responsável pelo abastecimento da capital gaúcha. A mina seria aberta a cerca de 500 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí, a 240 metros de uma área de preservação ambiental e a 1,5 km do rio. O projeto prevê o rebaixamento do lençol freático e o desvio de dois arroios. A Copelmi garante que as novas tecnologias de extração eliminam as chances de contaminação do solo ou da água.

A audiência pública para debater o projeto, um dos pré-requisitos para a concessão da licença prévia, foi realizada no dia 14 de março deste ano após uma batalha judicial. A convocação da audiência foi publicada no Diário Oficial no dia 18 de dezembro pela então Secretária Estadual do Meio Ambiente, Ana Pellini (atual secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente). Um dia antes, a própria Secretaria (através da Fepam) havia solicitado à Copelmi uma série complementações ao EIA/RIMA que constava no processo de licenciamento. Entre os 15 itens considerados incompletos estavam: apresentação de alternativas locacionais, esclarecimento sobre a interferência do rebaixamento sobre os poços das comunidades, avaliação sobre a erodibilidade dos solos e a revisão do estudo de vulnerabilidade do aquífero.

As complementações foram enviadas em 14 de janeiro pela Copelmi, e ainda estão sob análise dos técnicos da Fepam. As entidades ambientais Ingá, Agapan e União Pela Vida alegaram junto à Justiça Federal que a audiência pública não poderia ter sido convocada antes da   conclusão da análise técnica dos estudos, e chegaram a conseguir o cancelamento da audiência. Mas a Fepam recorreu e conseguiu reverter a decisão.

O advogado Marcelo Pretto Mosmann, representante das entidades ambientais, critica a postura da Fepam, que no seu entender agiu no interesse da mineradora: “Porque para ir para audiência pública tem que estar o estudo completo. Cada informação que não tiver ali é uma informação que está sendo sonegada para a sociedade. Uma pessoa só vai poder reclamar que o poço dela vai ser atingido se tiver a informação de que vai atingir os poços de água. Isso é um exemplo bem pragmático de uma informação que faltou no EIA-RIMA”. Além do risco de contaminação da água e do solo, as entidades se preocupam com a poluição do ar gerada pelo polo carboquímico.

A diretora-presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, discorda. Ela afirma que o projeto está sob análise desde 2014, e que nada impede que o EIA/RIMA seja complementado após a audiência pública: “A gente pode complementar a EIA-RIMA até a hora em que a gente vai emitir a licença prévia. A audiência pública pode ser uma motivadora para solicitação de outros estudos”.

Sobre os eventuais impactos ambientais, Kauffmann elogiou a tecnologia do projeto da Copelmi: “Traz uma tecnologia bastante avançada de extração de carvão para gaseificação”. O professor da UFRGS, Jair Koppe, também destaca os avanços do setor e dos órgãos de fiscalização: “Houve uma evolução muito grande na mineração que era praticada há 30, 40 anos atrás […]. Principalmente nesta questão do carvão, a melhoria foi absurdamente grande […] E as áreas são muito monitoradas”. Koppe também destaca a experiência da Fepam neste tipo de projeto: “A Fepam já tem o know-how, o conhecimento de fiscalização de minas de carvão no Estado. Então eles são bastante rigorosos nisso aí, tenho plena confiança que eles executam o trabalham adequadamente”.

O local onde a Copelmi pretende instalar a mina também é ocupado pela área de maior produção de arroz orgânico da América Latina. A lavoura fica dentro do Assentamento do MST Apolônio Carvalho, onde vivem 72 famílias que teriam de ser removidas do local. Adeles Bordin, moradora do assentamento e estudante de permacultura, explica que a mineração iria começar a 3 km do local, e depois de sete anos iria invadir a área da lavoura. Mas ela acredita que os prejuízos seriam imediatos, com a redução da disponibilidade de água para irrigação (em função dos desvio dos arroios e do rebaixamento do lençol freático) e da contaminação do ar.

No dia 4 de abril os Ministérios Públicos Federal e Estadual enviaram uma recomendação conjunta à Fepam para que sejam realizadas uma ou mais novas audiências públicas. Uma delas deve ser feita em Porto Alegre.

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