RS tem projetos para investir até R$ 2 bi em mineração
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Estado sem tradição mineradora, o Rio Grande do Sul tem atraído nos últimos anos o interesse de empresas nacionais e internacionais. Uma pesquisa no sistema do Departamento Nacional de Produção Mineral mostra a existência de 5192 Requerimentos de Autorização de Pesquisa, que é o pedido para que a empresa realize trabalhos de definição da jazida e avaliação de viabilidade econômica. No momento, quatro grandes empreendimentos tramitam junto aos órgãos ambientais.
O projeto em estágio mais avançado é o Retiro, que pretende extrair minerais pesados da faixa de areia localizada entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos, no município de São José do Norte, no litoral sul gaúcho. Os minérios são usados na produção de pigmentos de tintas. A RGM (Rio Grande Mineração SA) conseguiu a licença prévia do Ibama, mas ainda aguarda as licenças de instalação e de operação.
Os demais projetos ainda buscam a licença prévia junto à Fepam, órgão de licenciamento estadual. Em Charqueadas o objetivo é a instalação da Mina Guaíba, um projeto da Copelmi com investimento chinês e norte-americano que pretende extrair carvão mineral, areia e cascalho de uma área junto ao Rio Jacuí. Às margens do Rio Camaquã, em Caçapava do Sul, a empresa Nexa Resources (multinacional do Grupo Votorantim) tenta autorização para extrair zinco, chumbo e cobre de uma mina a céu aberto com vida útil de 20 anos e investimento inicial de R$ 371 milhões. Já em Lavras do Sul o alvo é o fosfato, matéria prima para fertilizantes. O projeto – que prevê investimentos de mais de US$ 100 milhões ao longo de 50 anos de exploração – inclui uma barragem de rejeitos.
Jair Carlos Koppe, professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o Estado não é expressivo na área de extração mineral, atividade que se concentra em Minas Gerais e no Pará. As exceções são as minas de carvão, cujas reservas se concentram nos Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Para ele, a explicação para o atual interesse nos minérios gaúchos é a demanda do mercado: “São depósitos que estão aqui, durante um certo tempo eles não eram viáveis economicamente e agora passaram a ser. […] Há uma demanda para aqueles bens então você consegue colocá-los em produção”.
O carvão é utilizado para gerar energia nas termoelétricas nos períodos de estiagem, quando a produção cai nas hidrelétricas. Segundo o professor, a perspectiva de retomada do crescimento é um dos fatores que estimula novos investimentos na área: “Hoje se o Brasil crescer economicamente 2%, 3%, vai começar a faltar energia”. Já o interesse pelo fosfato é explicado pela demanda por fertilizantes pelo agronegócio. Segundo Koppe, a jazida de Lavras do Sul não apenas reduziria a necessidade de o Rio Grande do Sul importar fertilizantes como abriria a possibilidade de o Estado se tornar um exportador destes produtos. “Também há uma demanda por chumbo e zinco. As jazidas estão diminuindo o seu número pelo mundo”, afirma o professor.
Maior mina de carvão do Brasil pode se instalar junto ao rio que deságua em Porto Alegre
Dentre os projetos em análise no Rio Grande do Sul, o da Mina Guaíba é dos que tem gerado maior mobilização da sociedade civil. O projeto prevê que a área de 4.373,37 ha entre os municípios de Charqueadas e de Eldorado do Sul, a 15 km de Porto Alegre, seja transformada na maior mina de carvão do Brasil. Em um segundo momento a Copelmi prevê a criação de um complexo carboquímico capaz de gerar até US$ 4,4 bilhões em investimentos.
O empreendimento iria se instalar à beira do Rio Jacuí, responsável por 80% da água que chega ao Lago Guaíba. Além de cartão postal de Porto Alegre, o Lago é responsável pelo abastecimento da capital gaúcha. A mina seria aberta a cerca de 500 metros do Parque Estadual Delta do Jacuí, a 240 metros de uma área de preservação ambiental e a 1,5 km do rio. O projeto prevê o rebaixamento do lençol freático e o desvio de dois arroios. A Copelmi garante que as novas tecnologias de extração eliminam as chances de contaminação do solo ou da água.
A audiência pública para debater o projeto, um dos pré-requisitos para a concessão da licença prévia, foi realizada no dia 14 de março deste ano após uma batalha judicial. A convocação da audiência foi publicada no Diário Oficial no dia 18 de dezembro pela então Secretária Estadual do Meio Ambiente, Ana Pellini (atual secretária-executiva do Ministério do Meio Ambiente). Um dia antes, a própria Secretaria (através da Fepam) havia solicitado à Copelmi uma série complementações ao EIA/RIMA que constava no processo de licenciamento. Entre os 15 itens considerados incompletos estavam: apresentação de alternativas locacionais, esclarecimento sobre a interferência do rebaixamento sobre os poços das comunidades, avaliação sobre a erodibilidade dos solos e a revisão do estudo de vulnerabilidade do aquífero.
As complementações foram enviadas em 14 de janeiro pela Copelmi, e ainda estão sob análise dos técnicos da Fepam. As entidades ambientais Ingá, Agapan e União Pela Vida alegaram junto à Justiça Federal que a audiência pública não poderia ter sido convocada antes da conclusão da análise técnica dos estudos, e chegaram a conseguir o cancelamento da audiência. Mas a Fepam recorreu e conseguiu reverter a decisão.
O advogado Marcelo Pretto Mosmann, representante das entidades ambientais, critica a postura da Fepam, que no seu entender agiu no interesse da mineradora: “Porque para ir para audiência pública tem que estar o estudo completo. Cada informação que não tiver ali é uma informação que está sendo sonegada para a sociedade. Uma pessoa só vai poder reclamar que o poço dela vai ser atingido se tiver a informação de que vai atingir os poços de água. Isso é um exemplo bem pragmático de uma informação que faltou no EIA-RIMA”. Além do risco de contaminação da água e do solo, as entidades se preocupam com a poluição do ar gerada pelo polo carboquímico.
A diretora-presidente da Fepam, Marjorie Kauffmann, discorda. Ela afirma que o projeto está sob análise desde 2014, e que nada impede que o EIA/RIMA seja complementado após a audiência pública: “A gente pode complementar a EIA-RIMA até a hora em que a gente vai emitir a licença prévia. A audiência pública pode ser uma motivadora para solicitação de outros estudos”.
Sobre os eventuais impactos ambientais, Kauffmann elogiou a tecnologia do projeto da Copelmi: “Traz uma tecnologia bastante avançada de extração de carvão para gaseificação”. O professor da UFRGS, Jair Koppe, também destaca os avanços do setor e dos órgãos de fiscalização: “Houve uma evolução muito grande na mineração que era praticada há 30, 40 anos atrás […]. Principalmente nesta questão do carvão, a melhoria foi absurdamente grande […] E as áreas são muito monitoradas”. Koppe também destaca a experiência da Fepam neste tipo de projeto: “A Fepam já tem o know-how, o conhecimento de fiscalização de minas de carvão no Estado. Então eles são bastante rigorosos nisso aí, tenho plena confiança que eles executam o trabalham adequadamente”.
O local onde a Copelmi pretende instalar a mina também é ocupado pela área de maior produção de arroz orgânico da América Latina. A lavoura fica dentro do Assentamento do MST Apolônio Carvalho, onde vivem 72 famílias que teriam de ser removidas do local. Adeles Bordin, moradora do assentamento e estudante de permacultura, explica que a mineração iria começar a 3 km do local, e depois de sete anos iria invadir a área da lavoura. Mas ela acredita que os prejuízos seriam imediatos, com a redução da disponibilidade de água para irrigação (em função dos desvio dos arroios e do rebaixamento do lençol freático) e da contaminação do ar.
No dia 4 de abril os Ministérios Públicos Federal e Estadual enviaram uma recomendação conjunta à Fepam para que sejam realizadas uma ou mais novas audiências públicas. Uma delas deve ser feita em Porto Alegre.
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